Quem me conhece, sabe como
tenho hiante afeição por crianças. Acredito que seja por isso que amo
animações; A era do gelo e Happy Feet são minhas queridinhas.
Muitas crianças que assinalaram presença em minha vida – graças à minha escolha
profissional – protagonizaram cenas dignas de um Blockbuster. Nunca me esquecerei de Wendley, um garotinho de
cabelos arrepiados de quem fui professora na alfabetização. Era 1994. O cenário
foi uma festa escolar em que se serviu um almoço. Por conta de uma série de
contratempos, cheguei no momento em que as crianças já estavam fazendo a
refeição. Quando Wendley me avistou, largou o seu prato e, em passos céleres, foi
ao meu encontro. E eu, o que fiz? Ao visualizar suas mãos sujas da mistura farinha-com-feijão, estraguei sua
comemoração que culminaria com um abraço – o qual foi dado, mas sob constrangimento
– e com a afirmação "pensei que você não vinha, pró". Ao interrogá-lo
sobre o estado (limpeza) das suas mãos, fui surpreendida com sua defesa: “Eu
fiz assim, ó!", mostrando que virou suas mãozinhas para não me sujar! Como
fui leviana! Hoje, já com um olhar menos intoxicado, penso que agiria de outra
forma; talvez articulasse, em pensamento: “Que importa uma sujeirinha, que é
lavável, diante de um gesto que limpa qualquer nódoa de desamor?”.
Quero, também, trazer à cena
Victória, uma loirinha esperta que vivia pulando, cantando e dançando. Certa
vez, retornou – correndo, obviamente – do recreio, só parando próximo a mim,
como se freasse, para me fazer um afago cheio de generosidade. Segurando uma
das minhas bochechas, veio-me com esta declaração inusitada: "Coisa fofa
com essas pintinhas lindas no rosto!”. As pintinhas eram as marcas de espinhas,
herança da minha adolescência. Acho que foi o eufemismo infantil mais criativo
de que tive ciência!
Mano é o pinguim
protagonista da animação Happy Feet (pés
felizes). Como não tinha uma voz afinada, foi discriminado pela sua comunidade.
Apostou, então, na habilidade (ou melhor, na felicidade) dos pés para tornar-se
aceitável, embora, inicialmente, em vão.
Rick, um ex-aluno muito
comunicativo, também possui pés felizes. A despeito de uma deficiência que o
força a andar trôpego e a exibir pernas mirradas (além de, volta e meia, ouvir gracejos
maldosos de alguns colegas; escorrega no
quiabo é um desses chistes), Rick demonstra ser uma criança muito feliz:
corre, pula, brinca e participa fervorosamente das atividades propostas na escola. Na época em que lecionei em sua
turma, voluntariou-se para ser um dos sacis que representariam sua equipe na
gincana do folclore. Nunca vi um Saci-Pererê tão bem-disposto! Ao final da sua
apresentação, perguntou-me como tinha se saído, queria minha avaliação. Em
seguida, exibiu-se: “Acho que minha equipe vai ganhar, porque me esforcei
muito!" Assim aconteceu, a equipe dos pés mais felizes que conheço foi a vencedora
daquela competição! Aqueles que me leem assiduamente devem lembrar que Mano e
Rick já figuraram em outra produção minha. Neste momento, recorro a tais
personagens porque ambos levantam uma pauta de questões humanas que englobam o
viver em comunidade, sendo uma delas: o anseio comum de pertencimento.
Mano, o pinguim, quis fazer
parte do seu grupo e contribuir com os movimentos alegres dos seus pés. Rick, o menino das pernas emurchecidas, não
teve qualquer embaraço ao participar de uma atividade em que os membros
inferiores seriam ferramentas essenciais; sem hesitação, ele autodesafiou-se e evidenciou
que as deficiências não devem suplantar a disposição para [a]ventura. Wendley e
Victória aceleraram passos para demonstrar júbilo com grande afã.
Conjecturo, portanto, que o
conceito de felicidade, para os infantes, tem a ver com correria.
Assim, arremato, certa de
que as três crianças aqui mencionadas – representando todas as outras – têm em comum a linda vocação de irem ao
encontro do que amam, do que lhes faz bem. Correndo. Felizes.
Professora Rosana Souza
Que lindo texto, Rosa, mto inspirador. Adorei. :)
ResponderExcluirObrigada, Júh. Saudade! Bj grande.
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